
A unificação da Itália, que terminou quatro anos antes das primeiras levas de imigrantes virem para o Brasil, gerou muitos problemas econômicos. A saída que muitos encontraram, portanto, foi a imigração. O jornalista e historiador Ademir Antônio Bacca tem uma explicação relativamente simples para a importância que o trabalho adquiriu na região:
– O legado deixado pelos imigrantes foi o trabalho, o fruto do trabalho, e muito trabalho. Por quê? Porque a imigração italiana foi um engodo. Os imigrantes saíram da Itália e foram enganados, vergonhosamente enganados. Quando eles chegaram aqui, não tinha nada, nada do que haviam prometido para eles lá, os agenciadores de imigrantes, da imigração, haviam prometido que estava tudo certo. E eles chegaram aqui e encontraram o quê? Mato.
Para a historiadora Vania Beatriz Merlotti Herédia, doutora em História pela Università degli Studi di Genova, há dois fatores que se conjugam, beneficiando tanto a Itália, com a saída de uma mão de obra que ficava ociosa e que ou por uma crise agrária muito forte nesse período da unificação política, quanto o governo imperial brasileiro, que tinha interesse de trazer mão de obra branca, especializada, já com culturas definidas para locais do Brasil que fossem importantes e estratégicos no sentido de território.

Foram esses dois fatores, de acordo com Vania, que fizeram com que a imigração italiana tivesse êxito, principalmente no sul do Brasil, porque o governo fez uma série de leis que beneficiava a vinda de mão de obra europeia e a principal, em 1850, foi a lei de terras.
– A lei de terras era a maneira que as pessoas podiam comprar terra a prazo, ou seja, não precisava ter realmente dinheiro à vista, e elas também recebiam uma série de estímulos por parte do governo para se instalarem nos lotes coloniais – explica.
Para Vania, os imigrantes deste período receberam não só inventivo para a compra de terras, puderam ainda parcelar as agens para a vinda, além da compra de equipamentos para trabalhar, incluindo as sementes. Por isso, defende a doutora em História, a imigração para Serra adquiriu a característica de ser uma imigração de grupos, de famílias, porque eles se sentiam beneficiados com essa questão, com essa possibilidade de se tornarem pequenos proprietários.
Ou ainda, como descreveu o imigrante Paolo Rossato, em uma das 19 cartas que enviou em abril de 1884 aos familiares que ficaram em Valdagno, “lá éramos servos, aqui somos senhores”. A vocação agrícola conviveu com as técnicas de manufatura, que, com o ar dos anos, trouxeram progresso às regiões de colonização italiana.
– Se tirarmos da região toda a imigração, vamos voltar para os anos 900, por aí, porque vai sobrar pouca coisa – sentencia Bacca.
Conexão com as habilidades dos anteados

– O que a gente seria se não tivesse tido conexão com essas habilidades? A gente fala de 150 anos da imigração aqui, mas qual é a bagagem cultural, de DNA, de herança de conhecimento que esses anteados tinham? – reflete o CEO da Florense, de Flores da Cunha, Mateus Corradi.
Para ele, a expressão “fato a mano” é a combinação perfeita da tecnologia com o detalhe manual. A diretora criativa da Florense, Roberta Castellan, endossa o essa percepção e destaca que antigamente não existiam equipamentos para fazer os detalhes, eram todos manuais.
– As pessoas iam ando de geração em geração, os pais iam ensinando os filhos, os filhos ajudavam os pais, desde pequenos, a fazer pequenas atividades, e iam aprendendo e iam já criando uma profissão desde cedo – relata. – É algo tão lindo, tão rico, tão especial, que a gente entende que é a nossa missão seguir com isso de alguma forma no nosso produto para perpetuar essa história – completa.

Além do cultivo da terra, os imigrantes também trouxeram a habilidade para trabalhar com a madeira e com os metais e assim nasceram novas profissões. Reconhecida como uma escola por quem trabalhou no chão das fábricas, a Eberle empregava na década de 1920, de acordo com Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS, cerca de 30% da população de Caxias do Sul. Dava emprego, na imensa maioria a homens e menores de idade, em uma legislação trabalhista que ficou no ado.
– Nos contratos desses aprendizes se observa como função e dever do empregador, ensinar a arte da funilaria e mais tarde da metalurgia, dando em troca abrigo e alimentação – recorda o diretor do IMCH, Anthony Beux Tessari.
Fundada em Caxias em 1896, de propriedade dos imigrantes italianos Giuseppe e Luigia Eberle (conhecida como Gigia Bandera), a empresa foi dirigida pelo segundo filho do casal, Abramo, entre os anos de 1896 e 1945. Abramo faleceu em 1945.
O início da instituição foi marcado por uma pequena funilaria que fabricava lamparinas, que em 1896, marca o início da produção industrial na Serra.
– Ela foi feita com uma tesoura e um pedaço de lata. Esse foi o primeiro produto da Eberle. Depois ela foi industrializada, eles melhoraram, compraram o maquinário. Inclusive, fabricavam o maquinário para fazer as peças. A Eberle é a escola de todos – explica o proprietário de um antiquário que leva o nome dele, Jonathan Franco.
Após, com o crescimento da produção, surgiram itens como talheres, utensílios de mesa, artigos sacros, lâminas, facas, espadas, motores elétricos e, a partir de 1974, botões, ilhoses, rebites e fivelas, visando o mercado têxtil. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a metalúrgica foi declarada de interesse militar pelo Governo Getúlio Vargas para a produção de espadas e espadins destinados à Força Expedicionária Brasileira. Os filhos deram continuidade até 1984, quando a Eberle foi adquirida pelo Grupo Zivi-Hércules. Em 2003 os grupos foram fundidos na Mundial S.A.